De forma a contextualizar-vos, este artigo vem no seguimento do anterior: Ser Voluntária no Senegal – O Projecto. Um testemunho de voluntariado no Senegal contado na primeira pessoa pela nossa amiga Mónica, enfermeira no Reino Unido há mais de três anos e que em 2015 decidiu ser voluntária noutro continente.
‘Salamaleikum’, (do árabe السلام عليكم , Que a paz esteja sobre vós)
Saudar toda gente!
A saudação árabe com que somos constantemente abordados por cada pessoa com que nos cruzamos na rua (até por católicos). As crianças param o que estão a fazer para o dizer enquanto acenam ou correm para o nosso colo quando estamos a caminho da sede da YMCA para mais um dia de trabalho.
Um dia normal em Kaolack começaria assim, com a caminhada matinal de casa da minha família de acolhimento até à sede juntamente com a Helen, a outra voluntária que ficou comigo na mesma família.
Onde quer que vás, conheças ou não as pessoas diz sempre “Salamaleikum!”.
Família de Acolhimento
Um dos grandes pontos fortes deste programa, além do trabalho que fazemos, é o facto de os voluntários não viverem todos juntos e no mesmo sítio ou casa. Somos alojados em famílias de acolhimento seleccionadas pela YMCA previamente à nossa chegada. Vives com eles, comes com e como eles, ganhas um nome de cá porque como vim a aprender mais tarde “no Senegal és senegalês, não és visita”. Fomos então recebidas de braços abertos pela numerosa e extraordinária família Biagui. E fui daí em diante a Mónica Biagui.
No Senegal é ofensivo perguntar quantas pessoas vivem numa casa, acreditam que isso traz má sorte e pode mesmo sugerir que queremos insinuar que não têm comida para todos, o que é motivo de vergonha. Por isso, entre pessoas a sair para trabalhar e a entrar mais tarde a horas diferentes, nunca percebi exactamente quantas pessoas viviam lá, e claro que também não perguntei. No entanto, havia pessoas fixas que estavam sempre por lá.
Importa perceber que a dinâmica familiar é diferente no Senegal, o conceito de família nuclear de Pais e Filhos é raríssimo e há sempre um primo ou uma tia ou um parente afastado que vive na casa.
As pessoas sempre presentes na minha estadia foram a minha ”irmã” mais velha de 23 anos, quatro crianças que eram os meus ”irmãos” mais novos (2, 8, 10 e 12 anos), a minha “tia” e a minha “Mãe” que era a chefe de família.
Alojamento
A minha casa tinha divisões diferentes não ligadas entre si, por isto digo:
– a casa de banho era lá fora e eram três cubículos com tecto de lata, um com retrete no chão, outro com uma sanita como as conhecemos, e outro era simplesmente um cubículo com um balde, aquele que eu enchia todas as manhãs na torneira que não era lá dentro para tomar banho.
– a cozinha era uma divisão isolada feita em tijolo, sem electricidade, onde o fogo e as brasas faziam com que saíssem dali as delícias que a minha mãe cozinhava para nós.
– a divisão principal, onde vivia a família, tinha dois quartos e uma sala de estar com uma televisão muito pequenina que nem sempre dava.
– O meu quarto e o da Helen era fora da divisão principal, cá fora.
Tudo isto era à volta do pátio de areia onde as crianças brincavam, onde se estendia a roupa ao sol. A minha casa tinha electricidade, não tinha saneamento, mas tinha uma torneira cá fora. Uma apenas. Esta era usada para encher o balde para tomar banho, as bacias para lavar a roupa ou a louça à mão, as panelas para poder cozinhar, etc.
Tudo isto parecem falta de condições à primeira leitura (e acreditem que à primeira vista também!), mas é tudo possível, tudo muito limpo, simplesmente mais primário e definitivamente mais poupado.
Água
No Senegal, cerca de 80% da água das torneiras não é segura para consumo. Por isso, para beber só engarrafada ou nas saquetas de plástico de 400ml que são muito comuns. É uma forma óptima de beber a água fresca, já que a mesma tem ser consumida duma vez quando se arranca um dos cantinhos de plástico. É claro que é sempre melhor do que ter a garrafa de litro e meio que a meio já está quente. É, no entanto, normal ver locais a beber das torneiras, mas estes já desenvolveram em muitos casos imunidade.
Ter uma torneira de água a correr é um bem que eles estimam muito.
A menos que estejamos a encher um recipiente para um determinado fim, nada justifica ter a água a correr. Nada! O simples acto de lavar as mãos é feito de forma diferente, porque se o fizéssemos como cá, o momento em que estamos a esfregar o sabão nas mãos com as mãos fora da água implica que a mesma esteja a correr sem estar a ser aproveitada, e por isso ensinaram-me logo quando fiz isto pela primeira vez duma forma inocente.
Lavar a Roupa
A roupa lava-se obviamente à mão. E como explicado anteriormente não há torneiras a correr a não ser para encher a três bacias de que vamos precisar para o fazer. A primeira é para molhar a roupa e passar o sabão abundantemente, a segunda para dar a esfregadela final na nódoa difícil mas desta vez sem sabão para este começar a sair gradualmente, a terceira para retirar de vez o sabão e por fim torcer bem e estender.
Eu sou uma pessoa lenta nesta coisas e demorava uma manhã do meu fim de semana a lavar a minha roupa e estender até a minha “mãe” ter pena e me ajudar até porque ela achava que eu não lavava bem o suficiente… (e percebi que tinha razão até a ver a lavar!)
Ponto positivo: A roupa seca em menos de uma hora por causa do calor e deste ser tão seco.
Ponto negativo: Se as crianças estiverem a brincar cá fora, o pó da areia onde eles correm vai ficar na roupa 😉 Nada de grave!
Mosquitos
Passadas duas semanas percebi que usar repelente durante o dia não fazia sentido porque não havia mosquitos, porque nem estes resistem ao calor desértico que se faz sentir durante o dia. Posto isto punha repelente na altura do “Lusco-fusco” e só em áreas expostas, não cobertas pela roupa, porque o cheiro daquilo é enjoativo e a pele parece que queima ao fim de muitas aplicações.
Ter uma rede de mosquitos na cama é importantíssimo, o meu quarto já tinha aquilo pendurado no tecto. Arrisco a dizer que ter a rede sobre mim era a única forma de me sentir 100% segura para dormir. É aquela sensação de estar dentro da bolha e nada passa dali. Verificar sempre se a rede tem buracos. Pôr a rede debaixo do colchão da cama e deixar aquele bocadinho de fora para se entrar e por fim enfiar isso debaixo do colchão.
Não é estranho estar na cama e ver através da rede aquele lagarto na parede, ou aquele mosquito a subi-la, ou ver o gafanhoto na porta da janela, ou outro bichito diferente que eu nunca vi e por isso também não sabia o nome. Estranha-se os primeiros dias, depois aprende-se que a ronda de chinelo na mão antes de entrar na “bolha” é necessária.
Por hoje é isto.
Vou continuar a relatar a minha experiência aqui no Double Trouble, convido-vos a acompanhar.
“Jerejef bolomi” (‘Obrigado a todos’ em Wolof),
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