Opinião

Viajar enquanto se está no Senegal

Junho 9, 2016

Voluntariado no Senegal

Lembram-se do relato de voluntariado no Senegal que aqui postamos há uns tempos? A nossa amiga Mónica, enfermeira no Reino Unido há mais de três anos, decidiu em 2015 ser voluntária no Senegal. Hoje trazemos mais uma história no âmbito desse projecto, contada na primeira pessoa.
Olá Double Trouble, leitores e gente boa da blogosfera!

Quero começar por pedir desculpa pelo intervalo tão grande entre o último artigo e este. A vida de enfermeira não me tem dado grandes tréguas ultimamente. Adiante!

A mobilidade no Senegal é algo tão diferente, tão desafiante e por vezes tão custoso que mereceu um artigo exclusivo para o tema.
Voluntariado no SenegalComo relatado no primeiro artigo publicado no Double Trouble (disponível aqui), a jornada envolveu a visita a aldeias remotas, com poucos acessos, distantes, o que por sua vez envolvia a estadia por alguns dias.
Voluntariado no SenegalÉramos 16, com o condutor e o nosso supervisor, numa carrinha para 10. As viagens eram de cinco, seis ou sete horas, por estradas desertas, perdidas num nada africano imenso, onde avistávamos pessoas de quando em vez porque havia uma aldeia ali perto. As paisagens são planas, serenas, imponentes e davam aquela sensação de nunca ninguém ali ter estado antes até que chegávamos ao destino onde habitava sempre uma pequena comunidade.
Voluntariado no Senegal
Voluntariado no Senegal
Voluntariado no Senegal
Voluntariado no Senegal
Voluntariado no Senegal
Voluntariado no SenegalEstas viagens redefiniram o meu conceito de “roadtrip”:

– Cada um levava uma “backpack” que antes de partir ia para o tecto da carrinha. Eram todas atadas e presas com cordão juntamente com os colchões de espuma de 10 centímetros de espessura onde dormiríamos nas noites seguintes.

– Além das pessoas, carregávamos também no mesmo espaço, a comida para todos para os dias seguintes. Quando digo comida falo de peixe e carne envolvidos em gelo dentro de uma caixa de esferovite, café e leite em pó para pequenos-almoços, massa, arroz, cebolas… e outros essenciais. Sabíamos à partida que não íamos ter acesso a mais nada e não há quem possa alimentar 16 bocas extra!

“Top tip”: se puderem evitar viajar num veículo sem ar condicionado, debaixo de 40 graus, com peixe e cebolas no mesmo espaço, façam-no. Sem medos. Sem hesitações. 😉

– Os vidros iam sempre abertos porque o calor era demasiado e cheiro a peixe, como devem imaginar, não é agradável. Foi o mais próximo de ar condicionado que conseguimos.

– Tentávamos que as paragens que fazíamos para esticar as pernas acontecessem nas zonas próximas de comunidades, onde havia pessoas. Bancas de rua com frigideiras ao sol de onde saíam sandes de omelete e cebola são muito comuns no Senegal e faziam da viagem mais única que nunca.
Voluntariado no Senegal
Voluntariado no Senegal
Senegal– Éramos abordados frequentemente pela polícia a quem o condutor pagava um montante em cada paragem que fazíamos para não pagarmos uma multa (vim a descobri-lo mais tarde, porque o tentaram esconder por vergonha).

– À chegada montava-se tudo para os próximos dias. Nestas aldeias não havia electricidade ou saneamento, partilhavam-se três ou quatro torneiras e retretes públicas – buracos de dois metros no chão cobertos de cimento – por toda a aldeia.
Voluntariado no SenegalO improviso gerou experiência e ao fim de algumas vezes já cada um sabia o que fazer de um ponto de vista logístico deste a partida à chegada.

– Numa ida a Ziguinchor (Sul do Senegal), de encontro com o outro grupo de voluntários que lá estava, atravessámos a Gâmbia, país que geograficamente parece que corta o Senegal a meio. Tivemos de nos juntar a uma fila de veículos no qual para entrar no país esperámos oito horas numa fila de carros e carrinhas junto à fronteira que fechava as 18:00h. Acabámos por dormir num pátio da casa dum “familiar do amigo do amigo” à espera do dia seguinte para poder entrar na Gâmbia.
Voluntariado no Senegal
Voluntariado no Senegal
Voluntariado no SenegalTenho apenas de acrescentar que por muito desconfortáveis que estas viagens soem, é-se muito feliz a fazê-las. Nenhum outro sentimento se assemelha ao de chegar a um local e saber que quem nos rodeia é quem nós temos naquele momento.

O partido que ganhou as eleições não é o que actualmente governa o país e eu soube-o uma semana depois por estar em viagem e fora de Kaolack. A vida é muito simples em alguns sítios do Senegal. Tão simples que dá a sensação que o resto do mundo se esqueceu daquele canto.
Senegal
Voluntariado no Senegal
Voluntariado no Senegal
Voluntariado no Senegal
Podem ler os posts anteriores sobre esta experiência aqui.

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2 Comentários

  • Reply Pedro Abril 20, 2017 at 2:22 pm

    Na porta da mais ocidental das catedrais africanas, Catedral de Dakar, você vê escrito no alto “A la vierge Marie mère de Jesus le sauveur”. Dali depois de ver um raríssimo branco que me fez lembrar um bispão amigo do Brasil, passei na porta de um lugar vigiado por um policial empunhando um fuzil, deve ser o “kremlim ou a casa branca” de lá. Perto dali estava o banque de Dakar e o ecobank the pan african bank (invocado não?). Vi a 1ª caminhonete amarok, já muito comum em muitos lugares. Até aí o aspecto urbanístico geral razoável. Mas fui num lugar a uns 10 km leste do aeroporto como emblemático da urbanização no Senegal. Construções não são favélicas, mas são imorais (injustas). Alguns PVs nas ruas de terra(areia) me falam que pelo menos o esgoto é coletado. A carraiada de modo geral é mal tratada. Tem até caminhões como que amarrados de arame. Alguns carrões mercedes aparecem, mas incrível, falta-lhes pelo menos uma calota de roda e a lataria não está incólume de amassos. Até aí tudo bem, não choro por fora, mas choro por dentro, são elas: crianças, mil crianças!, futuro destas crianças!…urra!. Voltei lá porta da Catedral para reler os escritos e seguir cheio de esperança…:)

  • Reply Pedro Abril 20, 2017 at 2:23 pm

    Eu estava numa rodovia do Senegal entre Matam e Linguère a uns 120 km da Mauritânia. Neste trecho a estrada é boa, pavimento novo. A paisagem é magnífica, uma longa tangente rodoviária na solidão aberta e silenciosa da imensidão nivelada silto arenosa, parquíssima vegetação gramínea e altivas árvores esparsas frondosas e robustas, paraíso de raposas e animais notívagos. Até aí tudo bem, mas há um contraste entre a robustez da estrada e solitários flagelados que choram sozinhos à beira dela. O súbito, ilustre e fugaz visitante na sua pick-up suntuosa é um script secularista, não necessariamente que o visitante seja secularista. A verdade pode estar paradoxalmente na simplicidade de vida daqueles flagelados que de pés no chão perderam esta vida transitória, como a estrada, para ganhar outra definitiva que o mundo secularista subestima e debocha…:)

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